A Lei 13.964/19, responsável pela criação do acordo de não persecução penal a partir da inserção do artigo 28-A no Código de Processo Penal, inovou no âmbito legislativo brasileiro, implantando mais uma possibilidade negocial entre o agente e o Ministério Público.
Não sendo caso de arquivamento do procedimento investigatório, e impossibilitada a transação penal, o investigado que confessar formalmente a prática delitiva, desde que não envolva violência ou grave ameaça, que não tenha sido praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticado contra mulher pelo fato de sê-la, não ser reincidente, e cuja pena mínima abstratamente cominada ao tipo seja inferior a 4 (quatro) anos, poderá fazer jus a um acordo então proposto pelo próprio parquet.
A lei ainda prevê a necessidade de que o acordo seja suficiente para reprovação e para a prevenção do crime, mediante a estipulação de certas condições que podem ser ajustadas cumulativa ou alternativamente, tais como, reparação do dano ou restituição da coisa à vítima quando possível, pagamento de prestação pecuniária, entre outras possibilidades de condições a serem convencionadas, previstas ou não no texto legal, uma vez que é possível o ajustamento de outra condição singular no ANPP com base nas peculiaridades e compatibilidades da infração penal atribuída ao agente.
Uma vez proposto o acordo, o magistrado se torna responsável pela garantia da legalidade do ajuste firmado, sendo respeitados os direitos constitucionalmente previstos ao indiciado, que apenas aceitará a proposta em audiência com a presença de seu defensor.
A atualização normativa é considerada novatio legis in mellius, podendo assim ser proposto o acordo em ações penais em curso. Ainda se discute em relação ao ANPP ser um direito subjetivo do réu, o que de qualquer modo, acaba por não desobrigar o Ministério Público ao oferecimento do acordo nos casos em que assim puder operar.
Quanto à necessidade de confissão formal, esta poderá se dar na fase inquisitorial ou no momento da proposta do acordo pelo Ministério Público. Em recente julgado, em que pese o agente ainda não confessara até aquele momento, entenderam por bem os desembargadores da 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, rejeitar o recebimento da denúncia, uma vez que o parquet não informou ao agente quanto à possibilidade do acordo no caso de confissão. Pois, uma vez sendo informado de todos os termos, acaba o agente por analisar se confessa ou não o cometimento da conduta tida como infração penal e assim opta em exercer ou não seu direito negocial no âmbito pré-processual.
Importante pontuar, contudo, que a interpretação orgânica do ordenamento jurídico-penal deve levar ao entendimento de que a confissão aqui referida guarda relação necessária com a admissão da conduta atribuída, mas não com a prática do crime em si: confessa-se a ação, positiva ou negativa, sendo a tipificação totalmente alheia ao agente e, portanto, desnecessária ao preenchimento do requisito para oferecimento do acordo de não persecução penal.
A seguir um trecho do aludido julgado:
“Nessa ordem de ideias, não é possível acolher a recusa à implementação do acordo, fundamentada apenas no fato de não haver confissão formal e circunstanciada da autoria delitiva. Isto, porque a confissão é um dos termos do acordo. Melhor esclarecendo, é uma cláusula em si do negócio jurídico bilateral a ser eventualmente firmado entre o autor da ação penal e o imputado, negócio jurídico este que busca abreviar o procedimento ou antecipar o julgamento da causa a partir da admissão de culpabilidade do acusado, que renuncia ao direito de resistir à pretensão acusatória em troca de benefício processual e/ou material. Daí porque a ausência de confissão do denunciado na fase policial não é suficiente para afastar o implemento de medidas necessárias para viabilização do acordo, pois o artigo 28-A do Código de Processo Penal não se refere apenas à confissão circunscrita na fase inquisitiva.”
(TJ-SP - RSE: 15076914020208260050 SP 1507691-40.2020.8.26.0050, Relator: Newton Neves, Data de Julgamento: 17/06/2020, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 17/06/2020)
Por Larissa da Cruz
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